O Império Romano teve seu início poucas décadas antes do
nascimento de Jesus, cuja mensagem iria mudar decisivamente o pensamento
ocidental. Augusto, sobrinho de Júlio César, tornou-se o primeiro imperador
romano em 49 a.C., pondo fim ao período da república romana.
Durante cerca de trezentos anos, o Império Romano se
manteve praticamente intacto, estendendo-se da Península Ibérica a Pérsia.
Governado por Roma, adotava uma política de respeito as culturas e as religiões
locais, produzia por meio de uma escravagista – com tecnologia avançada para a
época e grande organização – e era defendido por disciplinadas legiões
militares. Ao contrário, da democracia grega e da república romana, onde os
cidadãos participavam do governo, durante o Império, Roma passou a divinizar o
imperador, que se tornou o único detentor de um poder tirânico. Nesse contexto,
muitas vezes, ele acabava assassinado para dar lugar a outro imperador.
O Império também se caracterizava pelo enorme contingente
de escravos e de miseráveis – perto de uma pequena elite governante, com a
ausência de uma classe média – o que, a longo prazo, foi uma das causas de sua
ruína. A rígida estrutura social não permitia praticamente nenhum tipo de
ascensão, com o agravante de que a aristocracia romana considerava que os
plebeus deveriam ser mantidos na base servil da sociedade.
A pax romana – conhecida como um período de pelo menos
250 anos, em que as províncias imperiais viveram sem a ameaça de guerras e
protegidas pela lei romana – foi, na verdade, uma época de submissão e
dependência de muitos povos. Entre os povos dominados estavam os gregos, que
foram reduzidos a escravidão e submetidos ao pagamento de pesados impostos.
Havia ainda um povo que particularmente se incomodava com a presença romana,
com seus costumes e suas imposições: o povo israelita, que nos anos 70 da era
cristã se rebelou contra Roma, provocando o que viria a ser conhecido como
diáspora (a dispersão dos judeus pelo mundo e o exílio permanente de Israel,
que apenas no século XX foram repatriados).
Para o judaísmo, a divinização do imperador, os costumes
permissivos dos pagãos, a exploração dos impostos e a profanação de sua terra
pela simples presença de não-judeus (considerados adoradores de ídolos) eram
fatos difíceis de aceitar. Foi no seio da sociedade judaica que nasceu o homem
que produziu um impacto permanente na cultura pagã, de uma forma que mudou o
mundo: Jesus.
A mensagem de Jesus, enraizada no judaísmo, era
completamente oposta aos valores romanos e pagãos em geral. A religião pagã era
politeísta, mitológica, permeada de cultos erotizados e não tinha uma ética
rígida. Basta observar que os deuses reproduziam as mazelas humanas: praticavam
incestos e estupros, eram vingativos, ciumentos e imprevisíveis. A relação das
pessoas com os deuses era de oferendas para o aplacamento de sua ira e a conquista
de sua proteção. Em uma sociedade rigidamente hierarquizada, tratava-se de uma
religião que não oferecia nenhuma alternativa, consolo ou esperança para os
pobres e marginalizados.
Já entre os profetas judeus, presentes no que hoje
conhecemos como Velho Testamento, havia ressonâncias de críticas sociais,
advertências contra os abusos do poder e a opressão dos ricos. Mas a mensagem
do Evangelho de Jesus avançou ainda mais nesse sentido, pois é completamente
igualitária, irmanando todos os homens. Ela dirige-se ao povo, trazendo a idéia
de um Deus único – o que já estava presente na crença judaica – mas um Deus
paterno, justo, amoroso e acima das imperfeições humanas. Um Deus que
justamente acolhia os mais fracos, os mais desprezados, os mais infelizes,
aqueles que constituíam a escória da sociedade. Foi junto a este que, em
primeiro lugar, a mensagem cristã encontrou guarida.
A religião politeísta, a essa altura, já se tornava
puramente um mito poético para as elites sociais. Havia também, entre os socialmente
bem colocados, um vácuo de espiritualidade, além do declínio dos valores
cívicos, políticos e familiares que se deu durante o Império, em decorrência da
corrupção generalizada dos costumes. Por isso, com o tempo, a mensagem cristã
também foi ganhando a aristocracia.
O cristianismo espalhou-se pelo Império Romano, em um
primeiro momento, pela obra de Paulo de Tarso, que percorreu a pé as províncias
do Oriente e do Ocidente, chegando até a Espanha e fundando os primitivos
núcleos cristãos. Pode-se dizer que ele – um judeu helenizado com cidadania
romana – foi o primeiro a lançar as bases de uma nova filosofia teológica, pois
suas epístolas já continham várias idéias embrionárias que seriam trabalhadas
pelos patrísticos (os pais da Igreja, que se incumbiriam de formular um
cristianismo filosófico ou uma filosofia cristã).
O termo filosofia cristã é controvertido, porque, em
última instância, trata-se de um pensamento submetido a fé e muitos não a
aceitam como Filosofia, pois carece da liberdade racional própria do indagar
filosófico. O cristianismo não é considerado uma Filosofia, pois não partiu de
um método de investigação racional, e sim de uma revelação divina que se deu
por meio da mensagem de um profeta judeu, considerado pelos seus seguidores como
a encarnação de Deus. Apenas a partir do século II, os cristãos começaram a
sentir a necessidade de formular o cristianismo em termos filosóficos, para se
defenderem dos ataques dos filósofos pagãos.
Os primeiros três séculos do cristianismo foram de intensos
debates sobre a nova doutrina, para a qual diferentes interpretações foram
propostas, algumas incorporando elementos das filosofias não-cristãs vigentes.
Poderíamos classificar didaticamente as seguintes tendências em confronto nesse
período:
·
Filósofos não-cristãos combatendo as teses
cristãs, apoiando-se, sobretudo, no neoplatonismo e no estoicismo.
·
Filósofos cristãos que, com o tempo, foram se
afirmando como ortodoxos (ortodoxia é a doutrina que se pretende como a
verdadeira). Desta tendência derivou-se a doutrina católica, que acabou
prevalecendo também por motivos políticos, pois o imperador Constantino, ao
converter-se ao cristianismo e torná-lo a religião oficial do Estado, adotou a
versão católica como a oficial, banindo todas as outras propostas (a partir do
Concílio de Nicéia em 325 d.C.). Esses pensadores também se apoiaram no
neoplatonismo e integraram a teologia judaica ao cristianismo.
·
Filósofos cristãos que, com o tempo, foram sendo
considerados pelos ortodoxos como heréticos (heresia vem do grego e significa
escolha – uma escolha diferente ou oposta à ortodoxia). Estes integravam também
elementos neoplatônicos e de doutrinas orientais. Eusébio de Cesaréia (século
IV d.C.), um defensor da doutrina ortodoxa, em seu livro História eclesiástica,
escrito a pedido de Constantino, comenta vinte diferentes formas de heresia.
Esse foi um processo dinâmico e polemico. Como exemplo
disso, pode-se citar o caso de Orígenes (século III d.C.), considerado um dos
pais da Igreja, como definiu Eusébio de Cesaréia. Orígenes foi autor de cerca
de oitocentas obras de filosofia cristã, nas quais integrava uma cosmovisão
platônica e neoplatônica com a mensagem revelada por Jesus.
No entanto, no Concílio de Constantinopla (553 d.C.), a
obra de Orígenes foi condenada pela Igreja Católica por conter duas idéias
combatidas pela já constituída ortodoxia: a preexistência da alma (que a abria
a possibilidade para a doutrina da reencarnação) e a subordinação de Jesus a
Deus, abalando o conceito da Trindade (três pessoas iguais em uma só substância
divina).
Já Santo Agostinho foi o representante da patrística, que
sistematizou todo o pensamento católico que vinha se constituindo com Inácio de
Antioquia, Irineu de Lion e Clemente de Alexandria (mestre de Orígenes). A
princípio, Agostinho era maniqueísta, uma das correntes da época que pregava um
dualismo universal (bem e mal, luz e sombra, espírito e matéria). Depois,
converteu-se a Igreja Católica e solidificou seus dogmas com uma boa
articulação filosófica e grande talento literário. Influenciado pelo
neoplatonismo, aceitou as idéias inatas, a predominância do espírito sobre a
matéria e a unidade de Deus como o Bem supremo – entendendo a mal apenas como a
privação do bem. Mas ele não admitia a pré-existência da alma, como Orígenes.
Um ponto até hoje muito discutido em sua doutrina – que
iria influenciar Lutero e Calvino, na época da Reforma – é a questão do
livre-arbítrio. Existe em Agostinho uma teoria da predestinação, que defende
que os que serão salvos já são previamente destinados por Deus, pois não
depende do ser humano salvar-se, e sim da graça divina. Ele justificava essa
idéia com o dogma do pecado original: o ser humano teria perdido a capacidade
de se tornar bom devido à mancha do pecado de Adão e Eva, e apenas a intervenção
divina poderia salvá-lo. Nesse ponto, Agostinho debateu diretamente com
Pelágio, que considerava o contrário: se Deus havia dados aos homens o
mandamento de se tornarem perfeitos é porque eles teriam os meios de fazer
isso, pelo esforço e pela vontade próprios.
Agostinho também aderiu inteiramente à doutrina da
Trindade, teorizando sobre ela. A questão da Trindade divina gerou polêmicas
durante séculos, tendo deflagrado inúmeros conflitos. Na época de Agostinho,
havia um outro teólogo cristão que seguia essa linha, cujos escritos não nos
chegaram porque foram destruídos por ordem de Constantino: o padre Arius. Ele
interpretava a figura de Jesus como um enviado de Deus, seu filho mais
perfeito, mas não como a encarnação do próprio Deus. Esta idéia estava
espalhada por todo o Império Romano, porém, no Concílio de Nicéia adotou-se a
doutrina da divindade de Cristo. Arius foi banido e seus escritos, queimados.
A partir do Concílio de Nicéia, portanto, a ortodoxia
católica foi se fortalecendo e se tornando hegemônica no Ocidente. A patrística
dos primeiros trezentos anos, em debate com outras posições, firmou-se em uma
só doutrina, predominante até o século VIII, quando se iniciam os albores da
escolástica.
Assim, depois da queda do Império Romano, com as
constantes invasões bárbaras, a evasão urbana e a ascensão de uma economia
agrícola de subsistência, houve um declínio geral da cultura. Os filósofos
latinos cristãos posteriores a Agostinho, como Isidoro de Sevilha e Boécio,
fizeram apenas releituras do que já tinha sido elaborado antes deles.
Patrística: Primeiro período do que se denominou
filosofia cristã, vai do século II ao VII. Foi a primeira tentativa do
cristianismo de adotar uma argumentação filosófica, emprestando argumentos,
sobretudo, do neoplatonismo. Caracterizou-se por um tom apologético, procurando
converter os não-cristãos e rebater as discussões dentro do próprio seio do
cristianismo, combatendo o que foi chamado de heresia. A patrística foi usada
como elemento de divulgação do cristianismo e de formação da ortodoxia
católica.
Escolástica: Termo que define o período da filosofia
cristã medieval, que vai do século VIII ao XVI – embora a ruptura com suas
proposições tenham iniciado no século XIV. Trata-se da estruturação da Filosofia
baseada na revelação do cristianismo, comprometida com os postulados da Igreja
Católica. Por extensão, chama-se de escolástico todo ensino desta tradição.
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