Filosofia no Brasil
Quando se fala em Filosofia no Brasil, há um
questionamento imediato: existe de fato Filosofia entre nós? Isso porque há
estudiosos que não consideram pertinente falar em Filosofia brasileira, porque
não desenvolvemos nenhum sistema original nem criamos uma escola filosófica que
se tenha projetado com influências internas e externas. Outros, porém, admitem
que, embora influenciados por filosofias vindas de fora, temos um viés original
de interpretá-las e vivenciá-las. Trata-se de uma questão em aberto.
O pensamento intelectual brasileiro teve sua origem no
século XVI, ainda no período da colônia, com a chegada dos jesuítas, que
trouxeram as primeiras idéias filosóficas, vinculadas à política colonizadora
dos portugueses e ao projeto empreendido pela Igreja Católica de cristianização
das Américas. Do século XVI a meados do século XVIII, eles representaram os
principais pensadores e educadores em solo nacional, marcando o modelo
intelectual do início da colonização. Nesse período, ocorreu a vinda de uma
pequena nobreza de Portugal para organizar a empresa colonial. O pensamento e o
modelo educacional jesuíticos atendiam aos interesses dessa camada dirigente,
em especial dos capitalistas mercantis.
O pensamento jesuítico brasileiro tinha por inspiração a
filosofia escolástica tomista, um modelo filosófico metafísico, baseado nas
teorias aristotélicas do ser, compatibilizadas com a doutrina cristã do Deus
criador e da alma imortal. A proposta filosófica e pedagógica dos jesuítas
estava contida no documento Ratio Studiorum, um manual que servia de suporte às
suas ações. Esse documento recomendava o zelo pela doutrina de Aristóteles, que
é a base da teologia de São Tomás de Aquino. De modo geral, a Ratio continha
também o plano educacional dos jesuítas, que se dividia em três cursos básicos:
humanidades, Filosofia e Ciências e teologia. Era uma educação para a elite
dirigente, ligada à metrópole, pois a população de índios e negros (escravos)
recebia uma educação voltada apenas ao trabalho manual e à catequese. A
educação proporcionada pelos jesuítas às classes dominantes, por sua vez, era
de boa formação cultural e humanista. No entanto, não permitia autonomia de
pensamento, que seria a marca do pensamento moderno.
Nos primeiros séculos da colonização, Portugal estava
afastado do influxo de modernidade no qual mergulhavam outras regiões da
Europa, impulsionadas pelo pensamento filosófico moderno e científico. Os jesuítas,
de grande influência nas terras portuguesas, defendiam um modelo de pensamento
escolástico e condenavam os estudos dos filósofos modernos, como Descartes,
Bacon e Locke. A metrópole, que exercia sobre o Brasil um monopólio de natureza
também intelectual, impunha a colônia o modelo jesuítico.
Somente em 1759, quando os jesuítas foram expulsos de
Portugal e do Brasil pela ação do Marquês de Pombal, iniciou-se uma influência
iluminista na metrópole. Os intelectuais portugueses tomavam consciência da necessidade
de modernizar seu país, a partir das novas idéias que circulavam no continente
europeu. As reformas de Pombal visavam colocar Portugal no nível de países como
a Inglaterra, transformando-o em uma nação capitalista, de acordo com os
interesses das camadas dominantes.
No final do século XVIII, a elite intelectual brasileira,
a exemplo da portuguesa, começou a se modernizar. Os pensadores tomaram contato
com idéias filosóficas e científicas do mundo moderno. Entre os séculos XVII e
XVIII, o Brasil passou por transformações internas que geraram impacto na vida
intelectual dos brasileiros. A população do país, nesse período, chegou a quase
três milhões de habitantes; surgiram centros urbanos que favoreceram as
atividades intelectuais. Os pensadores brasileiros voltaram-se para as questões
científicas e técnicas do pensamento moderno. Os jovens que iam estudar em
Portugal voltavam ao Brasil impregnados do pensamento iluminista, como foi o
caso de Francisco José Lacerda Almeida (geólogo), Alexandre Rodrigues Ferreira
(médico e naturalista), José Bonifácio de Andrada e Silva (naturalista e
mineralogista) e José Joaquim de Azeredo Coutinho (fundador do Seminário de
Olinda). Esses intelectuais defendiam a filosofia natural, ou seja, o estudo
científico-racional da natureza. A elite pretendia renovar o pensamento
brasileiro e trazer prosperidade e civilização ao país, para colocá-lo em
consonância com o modelo filosófico e científico europeu. No início do século
XIX, foi fundado o Seminário de Olinda, que visava concretizar essa intenção,
dando atenção às ciências naturais, físicas e à Matemática na formação dos
párocos. Esse colégio incentivava uma formação baseada na investigação e,
durante certo tempo, foi o melhor de nível secundário no Brasil.
O movimento tomista continuou a marcar de forma profunda
a nossa cultura durante o século XVIII. A hegemonia do pensamento escolástico
foi quebrada somente no decorrer do século XIX. Na virada entre esses dois
séculos, as idéias do Iluminismo francês tiveram grande aceitação pela elite
brasileira. Os círculos intelectuais difundiam as idéias racionalistas das
luzes, graças às vitórias da Revolução Americana e da Revolução Francesa, bem
vistas por pensadores brasileiros, embora a mentalidade nacional ainda fosse
fortemente influenciada pelo pensamento escolástico.
As razões que levaram nossos intelectuais a se voltarem
para as idéias iluministas foi a necessidade de se criar um conjunto de
pensamentos políticos para refletir sobre o país. O Brasil ainda vivia um clima
de submissão a Portugal e, do ponto de vista interno, escravos e mestiços
estavam subordinados aos senhores brancos. A Inconfidência Mineira, de 1789,
foi uma revolta contra o domínio português promovida pelas elites brasileiras.
Estava impregnada de idéias iluministas, mas ainda não plenamente pelos
aspectos igualitários desse pensamento, pois a escravidão, por exemplo, não foi
posta em questão.
Em 1807, quando Portugal foi invadido pelas tropas
napoleônicas francesas, a família real e a corte se viram obrigadas a vir para
o Brasil, sob a proteção da guarda inglesa. Essa vinda melhorou as condições
culturais do país e trouxe uma mentalidade iluminista e científica. Ocorreram
então várias mudanças no campo intelectual brasileiro: a criação da imprensa
(1808), com a circulação do primeiro jornal – A Gazeta do Rio – e com as duas
primeiras revistas – As Variações ou Ensaios de Literatura e O Patriota (1813)
– a construção da Biblioteca Pública (1810), do Jardim Botânico (1810) e do
Museu Nacional (1818). Também foram criados institutos de ensino superior em
1808 e 1810. Para a formação de oficiais e engenheiros, surgiram,
respectivamente, a Academia Real da Marinha e a Academia Real Militar. No ano
de 1812, foi construído na cidade do Rio de Janeiro um laboratório de Química.
Surgiram escolas de Engenharia, Medicina e Direito. Cursos de Economia,
Agricultura, Botânica, Química, Geologia e Mineralogia foram implementados no
país. A vinda da corte trouxe também a possibilidade de um maior contato com a
cultura européia em geral e a francesa de modo particular.
Embora o impulso cultural desse período não tenha
contribuído para fazer nascer no país puma escola filosófica, ajudou a difundir
o pensamento iluminista, liberal e científico. Frei Caneca (1774-1825) foi um
propagandista do liberalismo político. Defendia a independência do país e um
governo constitucional, a exemplo do que acontecia na Europa. Segundo Frei
Caneca, Deus não determina qual deve ser a melhor forma de governo, deixando
tal julgamento aos homens; e é também papel dos homens escolher quando os
governos devem ser mudados.
A vinda da corte atraiu ao Brasil Silvestre Pinheiro
Ferreira (1769-1846), que deixou Portugal por ser defensor do pensamento de
Locke, Condillac e dos enciclopedistas franceses, bem como por criticar as
posições do governo português. Ele também trouxe ao Brasil pensadores como
Leibniz, Kant, Fichte, Schelling e Hegel. A Filosofia alemã teve grande espaço
em suas conferências. Ele defendia a importância da Ciência, do naturalismo e
da experiência sensível como fundamento do conhecimento. Esses dois
intelectuais assumiram posições de destaque no período imperial do Brasil.
Em Portugal, nessa mesma época, a população estava
descontente com o fato de a corte estar no solo da colônia e o comando da
nação, em mãos inglesas. Surgiram revoltas no país, levando a uma situação
insustentável. Em 1821, o grupo chefiado por D. João VI voltou à sua terra
natal, o que contribuiu para a emancipação política do Brasil. Os intelectuais
brasileiros desejavam conciliar os anseios de modernidade com a realidade do
país. Para isso, era preciso reformar as instituições e reestruturar a política
e a sociedade, adotando os princípios do liberalismo político e econômico. As
camadas dominantes nacionais queriam que as classes dominantes portuguesas
reconhecessem o direito da colônia à liberdade de comércio. E a elite
intelectual, sob influência dos ideais revolucionários franceses, desejava a
ruptura completa com a metrópole. Com a saída da família real, houve uma
tentativa por parte de Portugal de recolonizar o Brasil, porém, as elites não
aceitaram perder os privilégios adquiridos. Esse conflito, além das idéias que
pairavam no momento, levou o país à autonomia política em 1822.
O debate sobre a liberdade política e econômica,
fortemente marcado pelo discurso liberal, esteve nas principais discussões das
décadas iniciais do século XIX. A Filosofia francesa serviu de modelo para os
pensadores brasileiros, mais especificamente a inspiração da escola eclética,
liderada por Victor Cousin. Embora de modo pouco profundo, a intelectualidade
criou no Brasil a escola filosófica eclética, que, a exemplo de Cousin, buscou
harmonizar as diferentes correntes de pensamento que existiam no país. Esse
fato contribuiu para a sua boa aceitação. Os intelectuais dessa escola
aspiravam entender o desenvolvimento e o encadeamento do ser humano, da
História e da natureza, bem como descobrir qual é a melhor forma de organização
social e política. A política passou a ser vista por esses pensadores como a
Ciência que levaria os indivíduos à felicidade e ao progresso. Para os adeptos
brasileiros do ecletismo, tanto o ser humano como as suas criações poderiam
progredir ao infinito.
·
Ecletismo. Proposta filosófica iniciada por
Victor Cousin, em meados do século XIX, que pretendia fazer uma espécie de
síntese de diversas teorias filosóficas. A posição do ecletismo era
espiritualista, ligada às tradições religiosas e culturais.
Os anos 1850 foram marcados por intensas reformas e
transformações da sociedade e da cultura brasileira. Nessa época, ocorreu o fim
do tráfico de escravos. Alguns investimentos externos e empréstimos para
construir infra-estrutura foram concedidos ao país; ocorreu a importação de
máquinas e tecnologia da Europa; construíram-se várias estradas de ferro;
iniciou-se o desenvolvimento do processo industrial. O desenvolvimento
econômico levou o Brasil a estreitar ainda mais os laços com a Europa, fonte
fornecedora não apenas de tecnologia e máquinas – que eram importadas – mas
também de novas idéias, que continuavam a inspirar os intelectuais brasileiros.
O processo de modernização da sociedade levou a um
otimismo por parte dos nossos pensadores, que não duvidavam de que o Brasil
poderia ser elevado ao nível das nações desenvolvidas do século XIX. Almejar
esse nível de desenvolvimento significava acelerar o processo de modernização
e, para isso, seria necessário introduzir novas idéias. Estas chegaram ao país,
enfraquecendo a Filosofia eclética, que entrou em declínio. As crenças básicas
do liberalismo e na Ciência, mais especificamente no darwinismo e no
positivismo, tornaram-se pilares das forças modernizantes que atingiram o
Brasil, que se consolidaram entre os filhos da burguesia comercial brasileira,
formados nas escolas técnicas, militares, nas faculdades de Direito e Medicina,
ou ainda, em universidades européias.
A geração de 1870 discutiu e propôs reformas institucionais,
políticas e culturais, pretendendo equiparar o Brasil às grandes nações
mundiais. Uma nova geração de intelectuais se formou, ligada ao cientificismo,
que vigorava no ensino europeu e brasileiro. Quase toda a Filosofia passou a
ser dominada pelas idéias positivistas de Auguste Comte, pelas teses da
biologia evolucionista de Charles Darwin, pelo evolucionismo de Herbert Spencer
e pelo materialismo de Ernst Haeckel. Os três autores consideravam a evolução
como chave central para se entender a natureza.
Spencer aplicou o evolucionismo à sociedade e criou o que
foi chamado de darwinismo social, aplicando aquela célebre expressão da seleção
natural – a vitória do mais apto – aos indivíduos, às nações e às etnias,
justificando, assim, idéias imperialistas e de dominação européia. Já Haeckel
defendeu a idéia de que tanto a ética como a economia e a política deveriam ser
aplicações da Biologia. Seu evolucionismo apresentava aspectos racistas, com a
concepção de que existiam diferentes espécies na humanidade, sendo que a
espécie superior era a branca européia. Influenciada por esses autores, a
intelectualidade brasileira defendeu de forma convicta que só seria possível
explicar e orientar o comportamento humano e as mudanças sociais pela via da
ciência positivista e evolucionista, incorporando também idéias racistas, que
combinavam com a mentalidade escravista da sociedade da época. Aliás, a
abolição da escravatura não representou uma superação dessa mentalidade, pois
quando da imigração européia, no final do século XIX e início do século XX, um
dos argumentos usados para o seu incentivo era o do branqueamento da raça,
pois, segundo alguns positivistas e evolucionistas, um dos motivos do atraso
cultural brasileiro era o excesso de sangue negro e indígena de nosso povo.
As correntes filosóficas brasileiras estavam empenhadas
em vencer o atraso cultural do país, colocando-o em contato com a civilização
mundial. As reflexões, por isso, voltavam-se muito mais para o lado prático e
social das teorias do que para o aprofundamento filosófico.
Luiz Pereira Barreto (1840-1923), um pensador
positivista, expressou essa idéia dizendo que era fundamental elevar o Brasil,
pois, no seu entender, a nação estava sujeita às leis gerais de progresso que
regiam a humanidade inteira – e o que diferenciava o Brasil da civilização
ocidental era apenas uma questão de fase evolutiva e não de natureza inferior.
O pensador brasileiro estava baseado nas teses comteanas de que a lei que rege
a História é a lei do progresso, determinando a evolução e regendo a vida. Os
positivistas brasileiros elaboram um projeto para o desenvolvimento da nação,
com idéias de liberalismo econômico, governo republicano, luta contra a
escravidão, separação entre Estado e Igreja, instituição do casamento civil,
secularização dos cemitérios, libertação da mulher e crença na melhoria da
educação como chave para resolver os problemas do país. Além de Pereira
Barreto, entre os defensores do positivismo no Brasil destacam-se Miguel Lemos
(1854-1917) e Teixeira Mendes (1855-1927).
Os darwinistas e evolucionistas spencerianos e
haeckelianos se apoiavam na teoria de Darwin de que a luta pela vida e pela
sobrevivência é vencida pelo mais apto no processo evolutivo. Com esse
argumento, acreditavam combater a apatia e a incompetência nos setores da
política, das instituições, da saúde e da economia brasileira. Assim, eram
antimonarquistas, republicanos, agitadores e propagandistas, como era o caso de
Tobias Barreto (1839-1889) e Miranda Azevedo (1851-1907). Condenaram o
conservadorismo da sociedade, criticaram as instituições obsoletas e a Igreja,
as escolas inadequadas e a política ultrapassada. Tobias Barreto, um dos
principais nomes da Filosofia brasileira do século XIX, fundou a Escola de
Recife, de grande influência na cultura filosófica nacional. Admirador de
Haeckel, Barreto lançou o germanismo, que pretendia trazer ao Brasil idéias da
Filosofia alemã, superando a predominância das vertentes francesas.
Podemos dizer que, apesar de suas diferenças,
positivistas, darwinistas e evolucionistas tiveram no Brasil pontos em comum
tanto em seu programa de ação quanto na valorização da Ciência e do
naturalismo. A complexidade do cenário do final do Império, o influxo
modernizador da sociedade, as mudanças culturais e as transformações econômico-políticas
contribuíram decisivamente para o nascimento da República brasileira, em 1889.
No início do século XX, os novos intelectuais brasileiros
apresentavam uma mentalidade marcada por uma espécie de idolatria à Ciência. O
positivismo, o darwinismo, o spencerianismo, o germanismo e o materialismo
tiveram amplo espaço no pensamento filosófico das primeiras décadas do século
XX.
O quadro filosófico no Brasil do início da República
completa-se com o processo de renovação da filosofia católica a partir da
separação entre a Igreja e o Estado. A intelectualidade brasileira católica se
voltou para o neotomismo, corrente filosófica que procurava retomar a discussão
tomista em um contexto da Filosofia e da Ciência moderna, fortalecendo a
filosofia católica. Os beneditinos fundaram em 1908, em São Paulo, a Faculdade
de Filosofia São Bento, que foi o primeiro curso regular de Filosofia no país e
que irradiou a filosofia neotomista pelo Brasil.
A influência do anarquismo também marcou presença no
pensamento brasileiro do século XX. Os primeiros imigrantes europeus, que
vieram substituir a mão-de-obra escrava nas lavouras de café e nas emergentes
indústrias brasileiras, trouxeram da Europa as idéias anarquistas. Estas, as
quais os trabalhadores tiveram acesso, motivaram as primeiras lutas operárias e
as criticas em relação ao capitalismo industrial. Os anarquistas brasileiros
não constituíram nenhuma linha filosófica, porque estavam mais preocupados com
a ação revolucionária do que com o pensamento analítico intelectual. No
entanto, tiveram um papel importante, organizando os primeiros movimentos
sociais e operários e fundando várias escolas até a década de 1920.
A partir da década de 1930, o cenário cultural e
filosófico-científico da nação se modificou, em decorrência de conflitos entre
grupos internos e de transformações econômicas e políticas da própria
sociedade. Um forte processo de industrialização vinha superar o modelo
agrário-exportador como base da economia. A modernização da sociedade
brasileira estava a todo vapor e as elites do país visavam a acelerar tal
processo. Essas transformações acabaram por mudar o panorama social, cultural e
científico. O desenvolvimento industrial contribuiu para fortalecer a visão
científica e o desenvolvimento da técnica, isso porque a indústria precisava de
pesquisas científicas e tecnologia para sua consolidação e expansão.
Essas mudanças levaram a um crescente interesse pelas
questões sociais. Pontes de Miranda, em 1926, lançou o livro Introdução à
Sociologia geral, escrito na tentativa de entender o processo social e cultural
no país e estruturar elementos de um pensamento sociológico, que marcou uma
tendência no pensamento do século XX. A necessidade de conhecimentos técnicos
levava à expansão e à renovação dos modelos educacionais. Foi criada a
universidade e os institutos de pesquisa, a fim de promover a pesquisa
científica de qualidade. A economia e a cultural brasileira entravam no
processo de internacionalização, o que gerou intensas trocas culturais e de
idéias filosóficas. A partir desse ponto, a Filosofia passou a ser menos
atuante social e politicamente, para se fixar no mundo acadêmico.
No decorrer do século XX, a Filosofia no Brasil esteve
conectada com todos os movimentos mais importantes que se passaram na Europa e
nos Estados Unidos, com leituras e apropriações nacionais das teorias de cada
momento.
Por conta disso, o cientificismo brasileiro foi
reformulado a partir do contato com as correntes de pensamento denominadas
neopositivismo ou positivismo lógico. Os intelectuais dessa corrente procuraram
superar as concepções das correntes positivistas do século anterior. Esse
movimento significou uma ruptura com o pensamento de Comte e voltou-se para a
filosofia do Círculo de Viena. Esses brasileiros criticavam o aspecto dogmático
e metafísico da teoria comteana dos três estados, pretendendo uma reavaliação
do papel da Ciência que, na verdade, tinha um caráter dinâmico e inconcluso.
Nessa mesma linha de pensamento, um outro grupo de pensadores brasileiros fez
uma crítica ao cientificismo a partir das obras de Bachelard e Karl Popper.
Embora a tendência cientificista tenha sido forte em todo o século XX junto à
intelectualidade brasileira, deve-se saber que floresceram outras perspectivas
filosóficas.
·
Neopositivismo – Filosofia do chamado Círculo de
Viena, que reuniu filósofos, matemáticos e homens de Ciência com o objetivo de
criar um positivismo lógico ou empirismo lógico. Eles dividiram as questões do
conhecimento em questões matemáticas, empíricas ou de lógica de linguagem,
opondo-se a toda metafísica.
Outra corrente que marcou forte presença no cenário
brasileiro do século XX foi o marxismo. As idéias marxistas no Brasil
contribuíram para criar um movimento de esquerda, constituindo-se um pensamento
socialista muito mais sólido do que havia sido o anarquista em terras
brasileiras. A partir de 1935, o marxismo passou a ser o centro das atenções
operárias, apoiado na força do Partido Comunista, fundado em 1922. Esse
movimento foi duramente perseguido, assim como todo pensamento de esquerda,
primeiro na ditadura de Getúlio Vargas e, depois, nos anos da ditadura militar.
Mas a presença do pensamento marxista no âmbito da Filosofia brasileira pode
ser percebida até a atualidade.
As posturas dos pensadores que criticaram o positivismo,
buscaram estruturar o pensamento sociológico e formaram um pensamento de
esquerda colocaram o país no quadro da Filosofia contemporânea.
A fenomenologia de Husserl, Merleau-Ponty, Max Scheler e
Heidegger se desenvolveu nos círculos intelectuais brasileiros como reação à
visão estreita do positivismo. Muitos intelectuais buscaram apoio nas correntes
fenomenológicas para fundamentar as ciências humanas sob novas bases.
Um outro movimento filosófico que teve presença marcante
na cultura brasileira foi o existencialismo. Alguns de seus representantes na
Europa foram Sartre, Jaspers e Marcel, influenciados por Heidegger. No Brasil,
o pensamento existencialista, principalmente o francês, ganhou força entre os
estudantes universitários das décadas de 1950e 1960 e nos círculos
intelectuais. Sartre foi fartamente lido nesse período. O existencialismo ditou
uma nova postura diante do mundo e da existência. A vertente existencialista de
Emmanuel Mounier, de cunho cristão, foi uma das expressões mais difundidas na
cultura brasileira nessa linha. Os círculos de intelectuais e ativistas
católicos das décadas de 1950 e 1960 buscaram inspiração nesse filósofo
francês, para ressaltar o humanismo que sustentava a dignidade da pessoa humana
e a luta transformadora sobre a realidade social e política. O existencialismo
foi reprimido no Brasil pelo governo militar por ser revolucionário e por
incitar à transformação política e social.
A partir da década de 1960, outra corrente filosófica
exerceu inspiração no pensamento brasileiro: a Escola de Frankfurt. O Brasil
começava a se inserir em um processo de cultura de massa e de capitalismo
globalizado; assim, o instrumental crítico da Escola de Frankfurt serviu como
análise deste novo contexto. Surgiram aqui movimentos estudantis, com posições
contestadoras, engajados na crítica dos valores do capitalismo global. Os
movimentos chamados de contra-cultura – movimentos feministas, gays e hippies,
representantes das minorias sociais e culturais reclamando seus direitos e sua
liberdade – se espalhavam nos centros universitários. O momento era de
contestação radical e de reivindicação da liberdade (seja ela política, sexual
ou pela liberação das drogas). A civilização contemporânea atravessava uma
intensa crise. Os intelectuais brasileiros encontraram no pensamento dos
frankfurtianos elementos para entender a sociedade de massa e tecnológica, bem
como analisar o contexto do país.
A Filosofia brasileira apresentou, também a partir dos
anos 1960, uma onda irracionalista, de crítica ao processo repressor da razão,
que chegava ao país e impregnava a cultura nacional. Nas últimas décadas do
século XX, irrompeu uma filosofia no cenário brasileiro cujas influências se
devem a filósofos como Nietzsche, Deleuze, Foucault e Guatarri. Essa filosofia
se desenvolveu na Europa, na América e no Brasil na esteira das transformações
culturais e econômicas desse século. O modelo econômico industrial foi superado
por um capitalismo tecnológico, pós-industrial, e que sustenta uma sociedade
informatizada. No campo filosófico e cultural, os modelos de Ciência, Filosofia
e Arte passaram a ser questionados. A modernidade teria baseado seu discurso em
uma ilusão: a de que a razão poderia levar o ser humano à emancipação. O alvo
de crítica dessa filosofia é a própria modernidade e a razão como base do
conhecimento e do desenvolvimento. A modernidade é vista como algo a ser
superado e afirma-se que chegamos a uma fase denominada pós-moderna. A
pós-modernidade marcaria uma ruptura com o modelo moderno – de Ciência, arte,
cultura, sociedade, política e Filosofia – que vinha sendo construído pelo
projeto iluminista moderno de civilização.