As divisões históricas são sempre problemáticas,
sobretudo no campo das idéias, pois elas sofrem um processo contínuo de
transformação que não se encaixa em períodos estanques. A transição do
pensamento da Idade Média para a Idade Moderna apresenta-se, assim, como uma
longa maturação: iniciada no próprio período medieval, nos séculos XIII e XIV,
passou por um período de mudanças rápidas, o Renascimento, e se firmou como
Filosofia moderna no século XVII. Os últimos escolásticos, como Roger Bacon e
Guilherme Ockham – dois franciscanos ingleses – já anunciavam uma atitude
moderna, de não sujeição a fé, de busca independente da verdade e de
valorização da experiência e da razão.
As condições sociais, econômicas e culturais começaram
justamente a se modificar no século XIII, que é considerado pelos historiadores
como um período de gestação do Renascimento, processo iniciado na Itália. Marco
Polo, um veneziano que chegou a China no século XIII, simbolizou o início de
uma nova época para a consciência européia: o homem ocidental começava a sair
de suas raízes feudais, da servidão da terra, para expandir-se pelos mares em
busca de novos mercados, encontrando outras culturas. As Cruzadas, guerras
religiosas desse período que levaram os europeus ao Oriente Médio e ao norte da
África, também foram importantes nesse contexto. Esse processo de saída dos
limites ocidentais se estendeu pelos séculos seguintes, tendo como momentos
culminantes a descoberta da América e a expansão marítima européia pelo Oriente
e pelo Ocidente nos séculos XVI e XVII.
Com a gradual decadência do modelo feudal, os centros
urbanos renasceram na Europa e, com eles, surgiu a nova classe dos burgueses
(de início, referencia aos habitantes dos burgos). A vida estática da servidão
dos campos, regida pelas regras da Igreja, foi se modificando a favor de novas
mentalidades. Nesse contexto, muitas das principais cidades européias passaram
a contar com universidades influentes: Paris, Oxford, Cambridge, Bolonha,
Salamanca, Praga e Heidelberg, entre outras. Esses centros de efervescência
intelectual estavam a serviço da escolástica e sob o domínio da Igreja. No
entanto, constituíram-se como focos de debates que favoreceram o amadurecimento
do pensamento, de modo que entre os próprios escolásticos havia sementes do
espírito moderno.
A transição para a Filosofia moderna – cuja raiz está
presente no fim da Idade Média e cuja proposta perdurou até o século XX –
ocorreu no período do Renascimento. A Renascença se iniciou na Itália, durante
o século XIV (o chamado trecento), e ocorreu porque nas terras italianas o
feudalismo sempre foi pouco enraizado. Além disso, havia um permanente contato
da Itália com o Império Bizantino e com o Oriente Médio, por meio do comércio
veneziano e genovês. A Renascença se estendeu ainda pelos séculos XV e XVI,
coincidindo com outro fenômeno radicalmente transformador, que foi a Reforma.
No Renascimento, algumas tendências filosóficas se
destacaram:
·
Humanismo – A consciência filosófica, cultural,
estética e política voltou-se para o ser humano, perdendo o enfoque
teocentrista. O pensar se horizontalizou, olhando a terra e diminuindo sua
velocidade teológica. O ser humano passou a ser valorizado como senhor da
natureza, como ser pensante e brilhante, artista e autor das coisas da terra.
Os próprios prazeres terrenos perderam o excessivo peso do pecado imposto pela
Igreja. Mas o ser humano permaneceu exaltado como criatura divina, como filho
privilegiado do Criador. O humanismo renascentista não foi um humanismo ateu em
seus principais autores, entre os quais se destacam Pico della Mirandola,
Erasmo de Rotterdam e Thomas More.
Humanismo – O humanismo foi um movimento filosófico do
início do Renascimento, que mudou o enfoque escolástico – portanto teocêntrico
– da Filosofia, para exaltar o valor e a dignidade do ser humano, que foi visto
pelos pensadores humanistas como senhor da criação e detentor de
potencialidades e direitos. Hoje em dia, chama-se de humanista qualquer
corrente que veja no ser humano o fim e o sentido de todas as coisas.
·
Naturalismo – Começou-se a buscar explicações
naturais para os fenômenos da vida, da natureza e do Universo, assistindo-se ao
nascimento da Ciência. O Universo passou a ser entendido como ordem matemática,
que pode ser interpretada pela razão humana, servindo-se de instrumentos de
observação e mensuração. Os grandes astrônomos – como Nicolau Copérnico,
Galileu Galilei, Johannes Kepler e Giordano Bruno – fizeram nascer a ciência da
observação e da interpretação da natureza, como a descoberta de leis
matemáticas. Um conceito novo revolucionou a cosmologia: o conceito de
infinito.
·
A volta as fontes greco-romanas – A Idade Média,
no seu combate contra o paganismo no intuito de cristianizar a civilização,
havia reprimido todas as heranças da Antiguidade clássica. Essa repressão foi
feita a ferro e fogo tanto contra os remanescentes das tradições pagãs como
contra as divergências dentro do próprio cristianismo, no combate aos hereges.
A Academia Platônica, por exemplo, que havia sido fundada em 387 a.C., foi
fechada em 529 d.C. pelo Imperador Justiniano, juntamente com o Liceu de
Aristóteles, fundado em 335 a.C. Os renascentistas, por sua vez, voltaram-se
para a arte, para a literatura e para a Filosofia da Antiguidade, fazendo
traduções, buscando inspirações e se reapropriando de idéias e propostas
antigas. A obra de Platão, por exemplo, que era quase desconhecida para os
medievais, foi lançada em 1400 em Veneza e influenciou fortemente os
astrônomos, especialmente pela sua valorização da Matemática.