quinta-feira, 14 de março de 2013

Razão e fé na Idade Média

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O sistema feudal se estabeleceu na Europa, fixando o homem no campo e estratificando a sociedade em senhores, servos e clérigos – tendo estes conservado, em mosteiros religiosos, remanescentes da cultura escrita. Na Idade Média, reis, militares, nobres e vassalos eram, em sua maioria, analfabetos. Durante os séculos V ao VIII, houve de fato um retraimento cultural enorme nos países já cristianizados e um trabalho intenso de conversão de povos que ainda mantinham ritos pagãos. A Alemanha, por exemplo, só foi plenamente convertida ao cristianismo no século VIII; a Suécia, no século XI.
Porém, enquanto o cristianismo se espalhava pela Europa e se firmava, abolindo os últimos bastiões do paganismo, estabelecendo-se na sociedade feudal, outra cultura florescia em terras do Oriente Médio e do Mediterrâneo e da qual viria o renascimento da Filosofia no Ocidente: a cultura muçulmana. No seio dessa cultura, que esteve durante muitos séculos entranhada na Europa (os árabes estiveram por oitocentos anos na Espanha, sendo definitivamente expulsos de seu último bastião, Granada, apenas em 1492, ano da descoberta da América), brotaram filósofos que tinham acesso a Filosofia grega, sobretudo a aristotélica, momentaneamente perdida para a cultura cristã.
Filósofos como Al-Farabi, Avicena e Averróis trabalharam largamente com elementos da Filosofia grega, pensando-os a partir da visão islâmica, mas guardando grande originalidade e liberdade de pensamento. Avicena, por exemplo, que foi leitor de Aristóteles, também incorporou teorias neoplatônicas em suas obras. Para ele, o Universo se dividia em mundo terrestre, mundo celeste e Deus. O mundo terrestre era feito de objetos materiais, podendo ser conhecido pelos sentidos. O mundo celeste era alcançado pela inteligência e permeado de formas imateriais, que Avicena chama de anjos e espíritos. Deus é a pura essência, o Ser necessário, o primeiro motor.
Já Averróis, um árabe nascido em Córdoba, Espanha, tentou separar fé e razão, para que esta tivesse autonomia. Ele chegou a formular a tese de que existiriam duas espécies de verdade: uma religiosa e outra filosófica. A verdade religiosa dizia que Deus criou o mundo do nada; a verdade filosófica, que o mundo é co-eterno com Deus.
Tanto Avicena quanto Averróis eram médicos e deram contribuições científicas significativas nesta área.
Essa germinação árabe influenciou filósofos judeus e cristãos. A História, por um breve momento na Espanha muçulmana (em torno do ano 900), presenciou a convivência das três correntes de pensamento monoteísta em um diálogo respeitoso: islâmicos, judeus e cristãos convivendo face a face.
Os filósofos árabes, sobretudo Avicena e Averróis, tiveram influencia na formação da escolástica medieval cristã, exercendo grande impacto na maior sistematização desse período, que foi a filosofia de São Tomás de Aquino.
A partir do século VIII, temos, portanto, dois florescimentos culturais que fariam da Baixa Idade Média um momento de fecundidade: a cultura islâmica e o renascimento carolíngio (a partir de Carlos Magno, que foi coroado imperador do Sacro Império Romano). Carlos Magno queria retomar as tradições do Império e se empenhou em incentivar a cultura. Recomeçava, na Europa, a preocupação em se estabelecer escolas – que se desenvolveram neste período nos mosteiros e conventos – com a estrutura que se prolongaria durante séculos e se projetaria para a universidade, uma instituição fundada na Idade Média. Estudava-se o trivium (gramática, retórica e dialética) e o quadrivium (Aritmética, Geometria, Astronomia e música). Scholasticus, a princípio, era o professor dessas primeiras escolas medievais; mais tarde passou a ser também professor de Filosofia e Teologia, contexto do qual se derivou o termo escolástica, característico da Filosofia desse período.
Não foi a toa que o termo veio da função docente, porque a escolástica está intrinsecamente ligada a educação. Dentro da mentalidade medieval, a Filosofia não estava comprometida com a busca livre da verdade, mas com um ensino demonstrativo, explicativo e comentado da verdade revelada por meio das Escrituras Sagradas. A subordinação da razão a fé e a preocupação de se formar cristãos fiéis aos mandamentos da Igreja Católica (que mantinha um poder hegemônico na Europa) eram traços indissociáveis da Filosofia.
O princípio da autoridade era o mais invocado na Filosofia medieval e fartamente usado inclusive pelo maior dos escolásticos: São Tomás. Trata-se de invocar o apoio da Bíblia, dos pais da Igreja, dos concílios católicos e mesmo de filósofos pagãos para apoiar a própria argumentação. É uma forma de pensar sempre recorrente a tradição, o que revelava o seu posicionamento conservador.
Outro aspecto da Filosofia medieval era o seu entrelaçamento com a ordem social estabelecida. Para o cidadão de então, tratava-se de uma ordem divina e as hierarquias terrenas refletiam as hierarquias celestes. Assim, a autoridade máxima na Terra era justamente a do Papa, por representar para os católicos a autoridade herdada diretamente de Deus.
Mesmo neste contexto de restrições ao livre pensar – ou, pelo menos, de um pensar condicionado à religião – houve pensadores brilhantes. O primeiro deles, ainda em um período pré-escolástico, foi João Escoto Erígena, monge irlandês do século IX que escreveu várias obras com influência agostiniana e dos patrísticos gregos. Para ele, não existia contradição entre a fé e a razão, entre a autoridade da Bíblia e a investigação livre do homem. Essa sua visão deriva de uma postura muito otimista em relação ao ser humano que, para ele, possuía uma razão divina em si; portanto, a autoridade das Escrituras e dos grandes filósofos se identificava com a razão investigativa, pois ambas procediam da mesma fonte: a divindade.
Outra grande personalidade da Filosofia medieval, destacando-se como um precursor do racionalismo moderno e perseguido pelo dogmatismo da Igreja, foi Pedro Abelardo, cuja elaboração filosófica coincide com o nascimento da universidade. Ele lecionou na Escola da Catedral de Nossa Senhora de Paris, que se tornaria a Universidade de Paris. Abelardo proclamou em pleno contexto medieval a soberania da razão. Sem renegar a fé cristã, propôs a investigação racional como critério único de verdade, incluindo a dúvida como instrumento necessário para essa investigação.
A universidade, a partir de Abelardo, ganhou o status de fórum de ensino e discussão filosófica. Nessa instituição, ficava claro o entrelaçamento necessário entre formação e investigação na Filosofia medieval. As aulas eram constituídas em dois formatos: a lectio e a disputatio. A primeira, traduzida por leitura, era o comentário sobre um texto, e a segunda, traduzida por disputa, era o exame e a discussão de prós e contras de determinada idéia. Essas disputas tinham um caráter estimulante e muito participativo, pois havia questões propostas pelos próprios alunos, debates públicos entre professores com diferentes pontos de vista, e debates entre professores e alunos – com a presença de ouvintes até de outras cidades. Jacques Le Goff, historiador medievalista, descreve em sua obra Os intelectuais da Idade Média a efervescência desses debates nas universidades medievais.
São Tomás de Aquino foi o maior sistematizador da filosofia escolástica medieval, com formulação do que se tornaria a doutrina oficial católica, válida até hoje. Ele, em última análise, sempre sujeitou a razão à fé, mas aceitava uma esfera de racionalidade que estaria aquém da revelação bíblica. Existiria, na sua concepção, uma razão natural, como que uma presença de pressupostos básicos na mente humana, pelo simples fato de sermos humanos e criaturas de Deus. A revelação divina completaria o que falta a essa razão humana, que, apesar de funcionar e ser respeitada em seus domínios, é limitada. Nesse sentido, Aquino usa a invocação da autoridade, mas incluindo a autoridade de Aristóteles e outros filósofos pagãos no que se referia aos temas da razão natural. Por exemplo, na questão de Deus, ele usa, predominantemente, argumentos de Aristóteles e de Avicena – um pagão e outro muçulmano – para provar a Sua existência e os Seus atributos. Porém, ele os completa com a fé católica quando se refere ao mistério da Santíssima Trindade.
Dentro do método da disputatio, Tomás escreveu em numerosos volumes a sua mais vasta obra: A suma teológica. Em forma de exame de prós e de contras, para chegar a uma afirmação qualquer, coloca a razão a serviço da fé, sem deixar, no entanto, de realizar um exercício de racionalidade bastante amplo e profundo.
O último dos escolásticos – ou o primeiro dos modernos – que provocou a primeira crise séria na tradição medieval foi o inglês Guilherme Ockham, no século XIV. Ele propôs o desligamento de todo compromisso entre razão e fé, optando por um caminho de investigação empírica e independente. Com isso, deixou à fé a possibilidade de um vôo mais livre. Além disso, no plano político, também propôs que a autoridade papal se desligasse do poder temporal e ficasse restrita apenas a sua liderança espiritual.
Racionalismo: Atitude filosófica que considera a razão humana como um instrumento capaz de captar a realidade, considerada ela mesma racional. O uso do discurso lógico, da análise e da dedução é próprio das atitudes racionalistas. Nessa vertente, parte-se do pressuposto de que o ser humano é um ser racional e de que o mundo tem uma ordem intrínseca, que pode ser desvendada pela razão. Também se considera que a razão humana tem idéias inatas, intuições que não precisam passar pela verificação empírica.

A queda do Império Romano e a conversão da Filosofia

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O Império Romano teve seu início poucas décadas antes do nascimento de Jesus, cuja mensagem iria mudar decisivamente o pensamento ocidental. Augusto, sobrinho de Júlio César, tornou-se o primeiro imperador romano em 49 a.C., pondo fim ao período da república romana.
Durante cerca de trezentos anos, o Império Romano se manteve praticamente intacto, estendendo-se da Península Ibérica a Pérsia. Governado por Roma, adotava uma política de respeito as culturas e as religiões locais, produzia por meio de uma escravagista – com tecnologia avançada para a época e grande organização – e era defendido por disciplinadas legiões militares. Ao contrário, da democracia grega e da república romana, onde os cidadãos participavam do governo, durante o Império, Roma passou a divinizar o imperador, que se tornou o único detentor de um poder tirânico. Nesse contexto, muitas vezes, ele acabava assassinado para dar lugar a outro imperador.
O Império também se caracterizava pelo enorme contingente de escravos e de miseráveis – perto de uma pequena elite governante, com a ausência de uma classe média – o que, a longo prazo, foi uma das causas de sua ruína. A rígida estrutura social não permitia praticamente nenhum tipo de ascensão, com o agravante de que a aristocracia romana considerava que os plebeus deveriam ser mantidos na base servil da sociedade.
A pax romana – conhecida como um período de pelo menos 250 anos, em que as províncias imperiais viveram sem a ameaça de guerras e protegidas pela lei romana – foi, na verdade, uma época de submissão e dependência de muitos povos. Entre os povos dominados estavam os gregos, que foram reduzidos a escravidão e submetidos ao pagamento de pesados impostos. Havia ainda um povo que particularmente se incomodava com a presença romana, com seus costumes e suas imposições: o povo israelita, que nos anos 70 da era cristã se rebelou contra Roma, provocando o que viria a ser conhecido como diáspora (a dispersão dos judeus pelo mundo e o exílio permanente de Israel, que apenas no século XX foram repatriados).
Para o judaísmo, a divinização do imperador, os costumes permissivos dos pagãos, a exploração dos impostos e a profanação de sua terra pela simples presença de não-judeus (considerados adoradores de ídolos) eram fatos difíceis de aceitar. Foi no seio da sociedade judaica que nasceu o homem que produziu um impacto permanente na cultura pagã, de uma forma que mudou o mundo: Jesus.
A mensagem de Jesus, enraizada no judaísmo, era completamente oposta aos valores romanos e pagãos em geral. A religião pagã era politeísta, mitológica, permeada de cultos erotizados e não tinha uma ética rígida. Basta observar que os deuses reproduziam as mazelas humanas: praticavam incestos e estupros, eram vingativos, ciumentos e imprevisíveis. A relação das pessoas com os deuses era de oferendas para o aplacamento de sua ira e a conquista de sua proteção. Em uma sociedade rigidamente hierarquizada, tratava-se de uma religião que não oferecia nenhuma alternativa, consolo ou esperança para os pobres e marginalizados.
Já entre os profetas judeus, presentes no que hoje conhecemos como Velho Testamento, havia ressonâncias de críticas sociais, advertências contra os abusos do poder e a opressão dos ricos. Mas a mensagem do Evangelho de Jesus avançou ainda mais nesse sentido, pois é completamente igualitária, irmanando todos os homens. Ela dirige-se ao povo, trazendo a idéia de um Deus único – o que já estava presente na crença judaica – mas um Deus paterno, justo, amoroso e acima das imperfeições humanas. Um Deus que justamente acolhia os mais fracos, os mais desprezados, os mais infelizes, aqueles que constituíam a escória da sociedade. Foi junto a este que, em primeiro lugar, a mensagem cristã encontrou guarida.
A religião politeísta, a essa altura, já se tornava puramente um mito poético para as elites sociais. Havia também, entre os socialmente bem colocados, um vácuo de espiritualidade, além do declínio dos valores cívicos, políticos e familiares que se deu durante o Império, em decorrência da corrupção generalizada dos costumes. Por isso, com o tempo, a mensagem cristã também foi ganhando a aristocracia.
O cristianismo espalhou-se pelo Império Romano, em um primeiro momento, pela obra de Paulo de Tarso, que percorreu a pé as províncias do Oriente e do Ocidente, chegando até a Espanha e fundando os primitivos núcleos cristãos. Pode-se dizer que ele – um judeu helenizado com cidadania romana – foi o primeiro a lançar as bases de uma nova filosofia teológica, pois suas epístolas já continham várias idéias embrionárias que seriam trabalhadas pelos patrísticos (os pais da Igreja, que se incumbiriam de formular um cristianismo filosófico ou uma filosofia cristã).
O termo filosofia cristã é controvertido, porque, em última instância, trata-se de um pensamento submetido a fé e muitos não a aceitam como Filosofia, pois carece da liberdade racional própria do indagar filosófico. O cristianismo não é considerado uma Filosofia, pois não partiu de um método de investigação racional, e sim de uma revelação divina que se deu por meio da mensagem de um profeta judeu, considerado pelos seus seguidores como a encarnação de Deus. Apenas a partir do século II, os cristãos começaram a sentir a necessidade de formular o cristianismo em termos filosóficos, para se defenderem dos ataques dos filósofos pagãos.
Os primeiros três séculos do cristianismo foram de intensos debates sobre a nova doutrina, para a qual diferentes interpretações foram propostas, algumas incorporando elementos das filosofias não-cristãs vigentes. Poderíamos classificar didaticamente as seguintes tendências em confronto nesse período:
·         Filósofos não-cristãos combatendo as teses cristãs, apoiando-se, sobretudo, no neoplatonismo e no estoicismo.
·         Filósofos cristãos que, com o tempo, foram se afirmando como ortodoxos (ortodoxia é a doutrina que se pretende como a verdadeira). Desta tendência derivou-se a doutrina católica, que acabou prevalecendo também por motivos políticos, pois o imperador Constantino, ao converter-se ao cristianismo e torná-lo a religião oficial do Estado, adotou a versão católica como a oficial, banindo todas as outras propostas (a partir do Concílio de Nicéia em 325 d.C.). Esses pensadores também se apoiaram no neoplatonismo e integraram a teologia judaica ao cristianismo.
·         Filósofos cristãos que, com o tempo, foram sendo considerados pelos ortodoxos como heréticos (heresia vem do grego e significa escolha – uma escolha diferente ou oposta à ortodoxia). Estes integravam também elementos neoplatônicos e de doutrinas orientais. Eusébio de Cesaréia (século IV d.C.), um defensor da doutrina ortodoxa, em seu livro História eclesiástica, escrito a pedido de Constantino, comenta vinte diferentes formas de heresia.
Esse foi um processo dinâmico e polemico. Como exemplo disso, pode-se citar o caso de Orígenes (século III d.C.), considerado um dos pais da Igreja, como definiu Eusébio de Cesaréia. Orígenes foi autor de cerca de oitocentas obras de filosofia cristã, nas quais integrava uma cosmovisão platônica e neoplatônica com a mensagem revelada por Jesus.
No entanto, no Concílio de Constantinopla (553 d.C.), a obra de Orígenes foi condenada pela Igreja Católica por conter duas idéias combatidas pela já constituída ortodoxia: a preexistência da alma (que a abria a possibilidade para a doutrina da reencarnação) e a subordinação de Jesus a Deus, abalando o conceito da Trindade (três pessoas iguais em uma só substância divina).
Já Santo Agostinho foi o representante da patrística, que sistematizou todo o pensamento católico que vinha se constituindo com Inácio de Antioquia, Irineu de Lion e Clemente de Alexandria (mestre de Orígenes). A princípio, Agostinho era maniqueísta, uma das correntes da época que pregava um dualismo universal (bem e mal, luz e sombra, espírito e matéria). Depois, converteu-se a Igreja Católica e solidificou seus dogmas com uma boa articulação filosófica e grande talento literário. Influenciado pelo neoplatonismo, aceitou as idéias inatas, a predominância do espírito sobre a matéria e a unidade de Deus como o Bem supremo – entendendo a mal apenas como a privação do bem. Mas ele não admitia a pré-existência da alma, como Orígenes.
Um ponto até hoje muito discutido em sua doutrina – que iria influenciar Lutero e Calvino, na época da Reforma – é a questão do livre-arbítrio. Existe em Agostinho uma teoria da predestinação, que defende que os que serão salvos já são previamente destinados por Deus, pois não depende do ser humano salvar-se, e sim da graça divina. Ele justificava essa idéia com o dogma do pecado original: o ser humano teria perdido a capacidade de se tornar bom devido à mancha do pecado de Adão e Eva, e apenas a intervenção divina poderia salvá-lo. Nesse ponto, Agostinho debateu diretamente com Pelágio, que considerava o contrário: se Deus havia dados aos homens o mandamento de se tornarem perfeitos é porque eles teriam os meios de fazer isso, pelo esforço e pela vontade próprios.
Agostinho também aderiu inteiramente à doutrina da Trindade, teorizando sobre ela. A questão da Trindade divina gerou polêmicas durante séculos, tendo deflagrado inúmeros conflitos. Na época de Agostinho, havia um outro teólogo cristão que seguia essa linha, cujos escritos não nos chegaram porque foram destruídos por ordem de Constantino: o padre Arius. Ele interpretava a figura de Jesus como um enviado de Deus, seu filho mais perfeito, mas não como a encarnação do próprio Deus. Esta idéia estava espalhada por todo o Império Romano, porém, no Concílio de Nicéia adotou-se a doutrina da divindade de Cristo. Arius foi banido e seus escritos, queimados.
A partir do Concílio de Nicéia, portanto, a ortodoxia católica foi se fortalecendo e se tornando hegemônica no Ocidente. A patrística dos primeiros trezentos anos, em debate com outras posições, firmou-se em uma só doutrina, predominante até o século VIII, quando se iniciam os albores da escolástica.
Assim, depois da queda do Império Romano, com as constantes invasões bárbaras, a evasão urbana e a ascensão de uma economia agrícola de subsistência, houve um declínio geral da cultura. Os filósofos latinos cristãos posteriores a Agostinho, como Isidoro de Sevilha e Boécio, fizeram apenas releituras do que já tinha sido elaborado antes deles.
Patrística: Primeiro período do que se denominou filosofia cristã, vai do século II ao VII. Foi a primeira tentativa do cristianismo de adotar uma argumentação filosófica, emprestando argumentos, sobretudo, do neoplatonismo. Caracterizou-se por um tom apologético, procurando converter os não-cristãos e rebater as discussões dentro do próprio seio do cristianismo, combatendo o que foi chamado de heresia. A patrística foi usada como elemento de divulgação do cristianismo e de formação da ortodoxia católica.
Escolástica: Termo que define o período da filosofia cristã medieval, que vai do século VIII ao XVI – embora a ruptura com suas proposições tenham iniciado no século XIV. Trata-se da estruturação da Filosofia baseada na revelação do cristianismo, comprometida com os postulados da Igreja Católica. Por extensão, chama-se de escolástico todo ensino desta tradição.

quarta-feira, 13 de março de 2013

O mundo que nos rodeia

Posted by Hijikata Toshizou on 17:23 with No comments


Para um cientista, matéria é tudo aquilo que tem massa e ocupa um volume no espaço. Essas duas propriedades, massa (m) e volume (v), são características de todos os tipos de matérias e permitem definir a densidade (d) do material.
Hoje sabemos que a matéria é sempre constituída por um aglomerado de partículas fundamentais (ou elementares) e que todos os corpos do Universo, vivos ou não, são agrupamentos dessas partículas. O numero de partículas fundamentais conhecidas hoje passa de cem, mas três delas se destacam por estarem presentes em grande parte dos fenômenos observados cotidianamente: os elétrons (com recarga elétrica negativa), os prótons (com carga elétrica positiva) e os nêutrons (sem recarga elétrica). Essas partículas se juntam em grupamentos bem definidos chamados átomos. Os prótons e os nêutrons juntam-se numa região central denominada núcleo, e os elétrons se distribuem numa “nuvem” ao redor do núcleo, denominada eletrosfera. Os átomos formam novos grupamentos, as moléculas e, finalmente, as moléculas se agrupam formando os corpos. A matéria pode se apresentar, basicamente, em três estados: sólido, líquido e gasoso que são chamados estados físicos da matéria. Em condições adequadas, a matéria pode se apresentar em qualquer um desses três estados. O exemplo mais familiar é p da água. Quando a temperatura é relativamente baixa, a água pode se apresentar no estado sólido, quando, então recebe o nome de gelo e, nesse estado físico, tem forma e volume bem definidos. Em temperaturas mais amenas, ela se apresenta no estado líquido. Da mesma forma que os sólidos, os líquidos têm volume bem definido, mas sempre assumem a forma do recipiente em que estão contidos. Quando a temperatura atinge valores elevados, a água passa para o estado gasoso e torna-se um vapor invisível. Uma substancia no estado gasoso não apresenta volume nem forma definidos. Ela espalha-se de modo a preencher todo o volume do recipiente no qual esta contida. Nesta foto, podemos ver como a água pode se apresentar na natureza, nos três estados físicos: no estado sólido, sob a forma de gelo no iceberg; no estado líquido, a água do mar; e no estado gasoso, sob a forma de vapor disperso na atmosfera.

Propriedades físicas

Podemos distinguir os vários tipos de matéria por diferenças em suas propriedades físicas. Uma propriedade física pode ser observada ou medida sem alteração da estrutura química da substância. A densidade citada anteriormente, por exemplo, pode ser medida para ajudar a identificar uma substância desconhecida. As propriedades físicas são fundamentais para a escolha do material a ser utilizado em uma determinada aplicação. A maleabilidade, a condutividade, a elasticidade, a ductibilidade, as propriedades ópticas, a dureza e os pontos de fusão e de vaporização são exemplos de propriedades físicas. Muitos metais sólidos podem ser martelados ou laminados em finas placas sem que se quebrem. Essa propriedade, chamada maleabilidade, permite, quase sempre, que os metais sejam moldados em qualquer forma necessária. A condutibilidade é a propriedade que possibilita a um material a condução de um fluxo de calor ou de eletricidade através dele. Os metais são bons condutores de calor e de eletricidade. Razão eles são utilizados na fabricação de panelas, frigideira e radiadores, para conduzir calor, e em fios de instalações elétricas, para conduzir eletricidade. Materiais que não conduzem bem o calor ou a eletricidade são classificados como isolantes. Os materiais quando submetidos a esforços mecânicos, por exemplo tração e compressão, dentro de certos limites, se deformam e tornam ao estado inicial quando se retira o esforço. Essa propriedade, chamada elasticidade, é muito acentuada no caso da borracha e das molas metálicas. Filamentos de borrachas podem ser agrupados em tecidos para torná-los elásticos. Esses tecidos podem, então, ser usados na confecção de roupas e em outras atividades. Muitos materiais, do ponto de vista prático, são inelásticos, ou seja, apresentam tão pouca elasticidade que podemos considerá-los rígidos. É o caso, por exemplo, de um tampo de mármore para mesa. A ductibilidade é a propriedade que permite a um sólido ser estirado ao ponto de se converter em um fio muito fino sem se quebrar. Materiais com essa propriedade são usados na fabricação de fios elétricos, jóias, tubos e correntes. Platina e cobre são materiais que apresentam grande ductibilidade. Um metal pode ser tracionado e obrigado a passar por um orifício tomando a forma de um fio. Tal processo de produção é denominado extrusão. As propriedades ópticas de um material estão relacionadas ao comportamento da luz que passa através dele. A luz atravessa um vidro isso, de vidraça, por exemplo, e sem perturbação. Esse tipo de material é chamado transparente. Outras matérias, como o papel vegetal, perturbam a passagem da luz e não permitem que os objetos sejam vistos claramente através dele. Esses materiais são chamados translúcidos. Outros materiais, ainda, como os tijolos, não permitem a passagem da luz através deles, e são chamados opacos. Quando se adiciona sal de cozinha (uma colher) à água (um copo), ele se dissolve. Dizemos que o sal de cozinha é solúvel em água. Muitos materiais são solúveis em água ou em outros líquidos. Essa propriedade é chamada de solubilidade. Uma solução pode incluir qualquer dos estados físicos de matéria. Zinco derretido é solúvel em cobre liquido chamada latão. Substâncias sólidas diferem entre si em dureza, que é uma medida da resistência que apresentam ao serem riscadas. Por exemplo, se uma substância A pode riscar uma substancia B. o diamante é a substância mais dura encontrada na natureza e pode ser usada para cortar e polir pedras preciosas e vidro. Muitos materiais têm pontos de fusão e de vaporização bem característicos. O ponto de fusão é a temperatura na qual o material passa do estado sólido para o líquido. O gelo, por exemplo, derrete a 0 °C, sob pressão normal. O ponto de vaporização é a temperatura na qual o material passa do estado líquido para o gasoso. A água, sob normal, ferve, passando para o estado gasoso a 100 °C. Substâncias diferentes fundem-se e vaporizam-se a diferentes temperaturas. Muitos metais podem ser fundidos e depois moldados para assumir a forma de peças de máquinas, utensílios de cozinha, estatuas etc.

Uma ferramenta poderosa

Atualmente quase toda pesquisa científica exige a manipulação e análise de uma quantidade inimaginável de dados. Como a advento do computador, a partir de meados da Segunda Guerra Mundial, o tratamento desses dados passou a ser feito em uma fração do tempo exigido anteriormente. O primeiro computador a válvula, conhecida como Eniac, era capaz de calcular a trajetória de bombas lançadas por canhões antes que elas atingissem o alvo. Um grande feito para a época. Hoje, um computador pessoal de mesa pode realizar tarefa semelhante em segundos e com uma precisão muito maior. Atualmente os computadores estão presentes em todas as áreas, da Medicina à indústria, passando pela indústria cinematográfica. Neste capitulo veremos como os cientistas obtêm dados e como se utilizam deles para resolver problemas práticos.

As escolas filosóficas

Posted by Hijikata Toshizou on 17:15 with 1 comment


Estoicismo

Escola que começou com Zenão de Citium, no século III a.C., e se estendeu até os primeiros séculos da era cristã, com os filósofos romanos, como Cícero, Sêneca e Marco Aurélio. Teve forte influência em toda a história da Filosofia. Suas idéias principais foram: 1) o mundo é um todo orgânico, material, animado por um logos (razão) divino, do qual fazemos parte; 2) viver, segundo a natureza e segundo essa razão, é que nos faz ser virtuosos; 3) só a virtude é boa, só o vício é mau; o resto é indiferente. Os estóicos pregavam uma ética de indiferença ao sofrimento. Até hoje, o termo estóico quer dizer impassível, imperturbável, moralmente forte.

Epicurismo

Escola que se iniciou com Epicuro, no século III a.C., e alcançou o período helenístico, mas sem tanta influência quanto o estoicismo sobre a cultura romana. Suas idéias principais foram: 1) o mundo é constituído de átomos, que são conjuntos de partículas ainda menores; 2) a vida não tem nenhum tipo de elemento espiritual: os próprios deuses e a alma são feitos de átomos; 3) para eliminar uma das fontes de sofrimento do ser humano é preciso se livrar do medo da morte e dos deuses; 4) a ética epicurista é a que elege como valor máximo o prazer. Para livrar-se do sofrimento e ter os prazeres possíveis da vida, os epicuristas pregavam uma vida simples e contida, centrada nos prazeres naturais, sem excessos, e nos prazeres intelectuais.

Ceticismo

O ceticismo nasceu como corrente filosófica, mas significa, até hoje, uma postura de dúvida e de crítica diante de qualquer conhecimento, mantendo-se a posição de que é impossível conhecer algo com certeza. Os primeiros céticos remontavam aos sucessores que assumiram a Academia de Platão (apesar de que este não tinha nada de cético), que interpretavam a postura de Sócrates, só sei que nada sei, como ceticismo saudável e definitivo. No século III a.C., destaca-se o pensador Pirro de Elis, que deixou uma descendência de ceticismo no Ocidente e teve ressonâncias em todas as épocas.

Cinismo

Iniciada por Antístenes no século IV a.C., o cinismo era mais uma postura ética de vida do que um sistema de filosofia. Antístenes foi discípulo de Sócrates, mas entendeu-o de forma diferente de Platão, mais parecida com a proposta dos céticos. Achava que deveria assumir uma atitude de extremo ascetismo e desprezo pelos bens terrenos. Os cínicos tinham comportamento socialmente anti-convencional e consideravam que a felicidade estava na virtude, independentemente das condições exteriores.

Neoplatonismo

Trata-se da última escola filosófica da Antiguidade, que durou desde Plotino (século III d.C.) até o fechamento da Escola Platônica em Atenas, pelo Imperador Justiniano, em 529 d.C. A sua influência se estendeu até o Renascimento e mesmo aos idealistas alemães do século XIX. Era uma espécie de monismo idealista, que considerava toda a realidade como espiritual, abrangendo desde o Uno Supremo a diferentes níveis derivados deste. Ou seja, entre o Uno e o ser humano, os neoplatônicos consideravam a resistência de diversos deuses intermediários.

Pensadores entre dois impérios

Posted by Hijikata Toshizou on 17:12 with No comments


O período helenístico teve início em meados do século IV a.C., com a morte de Felipe II da Macedônia e a ascensão de seu filho, Alexandre Magno, estendendo-se até o final do século I a.C., quando a dominação romana se impôs. Ao assumir o poder em 334 a.C., Alexandre iniciou um período de conquistas que alargaria o domínio do mundo macedônico sobre a Grécia, a Índia, a Pérsia, a Síria, o Egito e a Babilônia, entre outros. O seu projeto era estabelecer um grande império monárquico e hegemônico, que acabasse com a independência e a liberdade das cidades-estados gregas e acoplasse diversas cidades, países e povos. Embora o projeto de construir um império sólido não tenha obtido sucesso, devido a sua morte prematura em 323 a.C., as conquistas de Alexandre inauguraram uma nova época histórica e promoveram profundas mudanças políticas, filosóficas e culturais.
A partir desse período, a Grécia teve contato com a imensidade do mundo, o que fez com que a vida e os costumes dos gregos se transformassem de forma radical. Iniciaram-se trocas comerciais e culturais intensas entre o mundo grego e países da África e da Ásia, como a China e a Índia. As tradições, a cultura e as religiões começaram a se misturar, provocando encontros culturais sem precedentes até então no mundo ocidental. Novas cidades se projetaram como centros culturais: Rodes, Pérgamo e Alexandria. Atenas passou a dividir com elas as atenções dos intelectuais, principalmente com Alexandria, que viria ter a maior biblioteca do mundo antigo. Com o desaparecimento da pólis, a idéia do cidadão participativo da vida pública também desapareceu, e o indivíduo passou a ser súdito do império. As decisões sobre a vida política e pública não eram mais tomadas pelos cidadãos na esfera da pólis, mas sim pelo monarca e por seus administradores. O cidadão, que antes tinha interesse pela política, passou até a ser avesso a ela.
Toda a Filosofia do século anterior estava ligada a idéia do cidadão livre, participativo da vida pública, e de uma vida ética ligada à cidade-estado. As velhas escolas filosóficas de Platão, Aristóteles e mesmo dos socráticos menores entraram em declínio. A vida do Império tornou os laços entre o cidadão e o Estado frágeis e distantes, e a cidade deixou de ser o espaço político. Não existia mais o cidadão da pólis, e sim o cidadão do mundo. Com isso, o indivíduo começou a isolar-se dentro de si. A era de Alexandre levou o homem grego a descobrir seu mundo interior, já que o mundo externo estava em profundo declínio e degradação. Surgiram novas escolas filosóficas, sendo que as principais desse período foram: o estoicismo, o epicurismo, o ceticismo e o cinismo. Com elas, novos conteúdos surgiram no pensamento grego.
Pode-se dizer que três traços são comuns nas escolas filosóficas desse período:
1)       A Filosofia começa a se centrar mais no campo da ética individual, abandonando a velha preocupação de Platão e Aristóteles em relacionar ética, política e cidadania. Embora os filósofos helenistas não tenham deixado completamente as questões políticas – pois muitos desempenharam papéis importantes aconselhando reis e políticos de cidades gregas, os estóicos e epicuristas tiveram participação em reformas políticas e sociais de cidades – o foco principal da reflexão passou a ser o indivíduo em sua singularidade. Essas escolas estavam preocupadas em ensinar o homem a viver e a morrer, mostrando o caminho de uma vida de virtudes e, conseqüentemente, feliz, para que atingisse a verdadeira paz interior e tivesse uma morte sábia. A felicidade e a paz interior seriam alcançadas por um processo de anulação das paixões e dos desejos mundanos, pela ausência da dor, pela renúncia e indiferença as convenções humanas. Dentro desse modelo, o sábio deveria se retirar das relações com os outros homens para viver recluso no campo, entre aqueles que compartilham do mesmo ideal. O filosofo, para essas escolas, não seria aquele que constrói sistemas de pensamento, como Platão e Aristóteles que teriam criado sistemas metafísicos inchados e desnecessários, afastando-se do verdadeiro espírito de Sócrates. Elas anunciavam querer recuperar o verdadeiro espírito socrático: a Filosofia como modo de vida e o filosofo como aquele que alcançou a serenidade interna e sabe viver e morrer com serenidade.
2)       A explicação de Alexandre ao mundo oriental permitiu uma intensa troca cultural entre Ocidente e Oriente, dando um novo impulso as pesquisas filosófico-científicas. As descobertas de uma nova realidade geográfica e biológica proporcionaram novas perspectivas. O filosofo Pirro, por exemplo, acompanhou Alexandre até a expedição a Índia e voltou de lá profundamente impressionado com a cultura do país. O pensamento oriental marcou de forma profunda o mundo helênico, influenciando as escolas filosóficas. Nessas escolas floresceram novamente conteúdos de estudos que foram caros aos pré-socráticos e a Aristóteles, como a Física, a Biologia e a Astronomia.
3)       A cultura grega clássica considerava os gregos ocidentais o único povo capaz de liberdade, e os não-gregos eram considerados bárbaros e incapazes por natureza. O preconceito racista dos gregos sofreu transformações com as conquistas de Alexandre. O jovem conquistador procurou integrar as culturas ocidentais e orientais, igualando os gregos e os não-gregos. As escolas filosóficas desse período trataram com mais respeito os escravos e os não-gregos, admitindo-os, inclusive, como alunos na escola de Epicuro, por exemplo. O estoicismo teve um grande filosofo escravo, Epíteto. As mulheres também tiveram mais reconhecimento com essa troca cultural e passaram a ter alguns direitos reconhecidos, sendo aceitas por Epicuro entre os seus alunos.

terça-feira, 12 de março de 2013

Aristóteles entre a pólis e o Império

Posted by Hijikata Toshizou on 11:57 with No comments

A filosofia de Aristóteles, principal discípulo de Platão, situou-se em um momento de decadência da pólis grega e ascensão do Império da Macedônia. As constantes batalhas entre as cidades-estados as enfraqueceram. Felipe II da Macedônia, no século IV a.C., foi quem estabeleceu as bases do Império que acabaria com as cidades-estados. O seu reinado – e depois o de seu filho Alexandre Magno – acabou com a independência das pólis e instalou no mundo grego o Império Macedônio.
A família de Aristóteles era ligada a Macedônia, pois seu pai havia sido médico daquela corte. Aos 18 anos de idade, o filosofo foi mandado para Atenas, que ainda era a capital cultural do mundo grego, para estudar na academia platônica. No entanto, manteve durante a vida ligações com o novo Império, tendo sido, inclusive, professor de Alexandre Magno. Em Atenas, Aristóteles recebeu grande influência de Platão, embora tenha se afastado dele em muitos pontos, construindo uma filosofia com profundas especulações filosóficas, estudos políticos, pesquisas e explorações científicas. Ele discordou de seu antecessor, sobretudo em relação ao mundo das idéias. Para Platão, o mundo material seria uma projeção, uma espécie de imitação do mundo das idéias, sem realidade concreta. Para Aristóteles, ao contrário, o mundo sensório era objetivo e real. A produção deste filósofo foi vasta e brilhante, abrangendo um grande número de áreas do conhecimento. Ele foi ainda o primeiro a classificar essas áreas, definindo a lógica, a ética, a política, a física, a metafísica e a poética como ramos do saber. A obra aristotélica pode ser considerada como um grande mapeamento histórico do que havia sido produzido na Grécia antiga, uma síntese de todo o conhecimento acumulado pelos gregos, e uma clara tentativa de manter viva a pólis grega. Com esse mapeamento, Aristóteles deixou delineados os traços que o conhecimento ocidental haveria de percorrer nos milênios seguintes.

O humanismo grego

Posted by Hijikata Toshizou on 11:51 with 1 comment


No século V a.C., as principais figuras da Filosofia – incluindo os sofistas, Sócrates e Platão – estavam ligadas a Atenas. Com o desenvolvimento da democracia, do comércio e do poder militar, a cidade tornou-se um dos centros do mundo grego. A atividade intelectual que se iniciara nas colônias gregas da Jônia e nas cidades do sul da Itália aos poucos migrou para Atenas. Entre os anos de 490 a.C. e 431 a.C., a cidade viveu um grande desenvolvimento cultural, político, econômico e de expansão comercial.
Após a vitória ateniense sobre os exércitos do imperador persa Dário, no ano de 490 a.C., e as sucessivas derrotas dos persas para os gregos, a cidade tornou-se poderosa e respeitada. Somente em 431 a.C., com a guerra contra Esparta, Atenas começa e perder a posição de liderança no mundo grego. A batalha entre as duas cidades ficou conhecida como a Guerra do Peloponeso – narrada pelo historiador Tucídides – e terminou em 404 a.C., com a derrota de Atenas. No entanto, como centro cultural, a cidade não perdeu a sua força.
Atenas passou por um momento promissor de grande expansão comercial e de enriquecimento das classes mais populares, como os comerciantes e os artesãos. Com isso, a velha classe aristocrática, formada pelas famílias tradicionais dos senhores de terra, perdeu força econômica e, conseqüentemente, força política, cedendo espaço para os comerciantes, que se tornavam a classe  mais rica e poderosa. O contexto político sofreu mudanças radicais, pois a democracia ateniense foi resultado da força e da reivindicação da nova classe por participação política. Dois grandes estadistas contribuíram para o desenvolvimento de Atenas e para implantar e solidificar a democracia, dando mais poderes aos cidadãos: Clístenes e Péricles.
A vida democrática permitiu aos cidadãos participarem da vida política e serem iguais perante a lei. Os cidadãos que queriam chegar ao poder político tinham o direito de apresentar, discutir e defender suas idéias em público. Para isso, tinham de ter grande habilidade com as palavras e saber discursar para convencer os ouvintes. Nesse contexto, o principal ideal dos jovens atenienses era o de se tornar um virtuoso político, um bom cidadão, participativo da vida cívica. A educação ateniense começou a visar a formação do sujeito que sabia articular bem as palavras, usando a retórica.
Por causa da importância dada a educação, Atenas atraiu pensadores e professores que levavam para a cidade novas idéias e modelos culturais. Chegaram sábios como Anaxágoras, continuador da escola jônica e professor de Péricles, bem como os sofistas, que serão tratados logo adiante. Protágoras, por exemplo, vinha da Jônia, enquanto Górgias era do sul da Itália.
A especulação da filosofia naturalista iniciada na Jônia e nas ilhas do sul da Itália começou, porém, a dar sinais de esgotamento, pois os filósofos se contradiziam. Inúmeras teses haviam surgido sobre a natureza e o cosmo, e cada uma apresentava resultados diferentes e contraditórios. Nesse sentido, a pólis ateniense e sua democracia tornaram-se um solo fértil para o florescimento de uma nova Filosofia, na qual a problemática a respeito da natureza era secundaria. O mais importante, nesse novo contexto, era que o conhecimento contribuísse para a vida democrática da pólis. O centro da reflexão passou, então, a ser o homem e o universo humano.
Essas novas condições sociais, culturais, políticas e históricas fizeram aparecer no cenário grego os sofistas, considerados os primeiros filósofos do período humanista. Eles censuravam os filósofos naturalistas, pois julgavam que estes pensavam ter chegado a verdade máxima sobre a natureza e o Universo, mas, de fato, o que eles faziam era apenas expor opiniões contraditórias e nada conclusivas. Para os sofistas, as disputas entre os próprios naturalistas e as contradições que apresentavam eram fatores que apenas demonstravam que o pensamento é mutável e é somente um sistema de opiniões individuais. Assim, esses filósofos caminharam para uma forma de relativismo e de ceticismo em que não se buscava a verdade – pois a verdade para eles era temporária e insegura – sendo o seu único objetivo ensinar a retórica. Tornaram-se figuras fundamentais no cenário da pólis, já que ensinavam aos jovens ricos a arte da persuasão, de articular bem as palavras, o que era fundamental para a democracia de Atenas. Eles faziam do ensino uma profissão, recebendo bons salários de uma elite que queria chegar à direção do Estado.
Sócrates era ateniense de nascimento. Sua figura teve um papel fundamental nos novos rumos tomado pela Filosofia. Ele deu continuidade ao humanismo dos sofistas, mas discordou deles em muitos pontos, trilhando outros caminhos. Sócrates não aceitava que os sofistas fossem filósofos, pois eles não estavam em busca da sabedoria. Ao contrário deles, o seu objetivo era auxiliar seus discípulos a partir da verdade e a virtude moral. Era na alma humana que estaria o saber e a virtude. Para Sócrates, a alma é onde habita a razão e os valores morais; o ser humano tem por dever se autoconhecer voltando-se para sua alma. O filósofo é aquele que convida o seu interlocutor a examinar a si mesmo, a tomar consciência e posse daquilo que possui de mais essencial dentro de si. Sócrates propõe aos atenienses que não se importem com o poder político, com a persuasão a qualquer custo muito menos com a riqueza e a fama advindas desse poder, mas sim com a verdade e com os cuidados da alma. A Filosofia seria, assim, a busca da verdade e da virtude, e somente nesse caminho os seres humanos chegariam à felicidade. Ele acreditava na capacidade da razão de levar o ser humano a tal empreendimento.
O cuidado de si, porém, estava entrelaçado ao cuidado da cidade e dos outros, exaltando-se a participação na comunidade política. Sócrates discordava da ambição pelo poder, mas considerava o exercício da virtude como um ato também político. Podemos dizer que ele esteve vinculado ao seu mundo, porém, ao mesmo tempo o transcendeu, criticando duramente os costumes, os valores e a cultura de sua época.
A filosofia de Platão, principal discípulo de Sócrates, deve seu conteúdo, acima de tudo, ao seu mestre, que foi também sua fonte máxima de inspiração. Com foco na ética, na política e na teoria do conhecimento, Platão construiu uma filosofia metafísica, na qual procurou resolver várias das questões que a Filosofia grega vinha se propondo até então: por exemplo, na disputa entre o ser e o devir, ele resolver que o ser está no mundo das idéias, que é a essência da realidade, e o devir está no mundo dos fenômenos.
No confronto entre a virtude e a vida política, Platão afirmou como Sócrates, a ética individual baseada na consciência e radicada na alma. Mas, ao mesmo tempo, propôs a ética na organização de uma sociedade política mais justa, na sua utópica A República. Ou seja, para Platão, assim como para Aristóteles, não poderia haver política sem ética, assim como a ética – prática da justiça e das virtudes sociais – tinha um caráter político.
Dessa maneira, inaugura-se no Ocidente a visão idealista do mundo e da existência, considerando a alma como portadora de imortalidade, de moralidade e de conhecimentos. A educação verdadeira, nesse contexto, seria aquela que abre o olho da alma, pelo cultivo da razão, para a visão da verdade e para a conseqüente prática da virtude.
Não é possível esquecer as chamadas escolas filosóficas dos socráticos menores, que também devem esse nome a fundamental influência de Sócrates: Antístenes e Diógenes, da escola cínica; Aristipo, da escola cirenaica; e Euclides, da escola megárica.
A escola cínica levou ao extremo a proposta de felicidade proporcionada pela virtude, em oposição aos prazeres sensoriais, tendo Antístenes e, depois, seu discípulo Diógenes, levado uma vida de ascetismo. Ambos preferiam viver na nobreza e na necessidade a se corromperem com os costumes da época. Já Aristipo de Cirene, fundador da escola cirenaica, herdou de Sócrates a idéia de autodomínio como fonte de felicidade. Ele teve também influência dos sofistas, na medida em que afirmava que todo o nosso conhecimento é subjetivo, ou seja, pode-se afirmar que tal ou qual coisa provoca em nós uma sensação, sem se saber de fato o que é.
A escola megárica, fundada por Euclides de Megara, é a que mais se aproxima de Platão, pois considera que existe um Ser Uno, o Bem, que constitui a essência de todas as coisas. O conhecimento desse Bem é a virtude, e a virtude é o conhecimento.